O advento do Novo Código de Processo Civil trouxe inúmeras inovações na busca pela solução de conflitos, privilegiando a atuação extrajudicial como mecanismo efetivo de pacificação social. Nesse sentido, a possibilidade do requerimento de usucapião de bem imóvel pela via extrajudicial apresentou-se como importante alternativa à via judicial, desburocratizando às questões envolvendo a aquisição de propriedade e, por via de consequência, da regularização fundiária em nosso Pais.
Como alternativa à via jurisdicional, o instituto em questão, previsto expressamente no art. 216-A da Lei 6.015/73 (incluído pelo art. 1.071 do Novo Código de Processo Civil), permite a aquisição de propriedade de bem imóvel, urbano ou rural, por meio de requerimento, firmado pelo interessado devidamente representado por um advogado, cujo endereçamento e processamento ocorrerá no cartório de registro de imóveis da comarca em que o imóvel usucapiendo estiver localizado.
O requerimento em questão deve estar instruído com os documentos previstos nos incisos I a IV do art. 216-A da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).
Contudo, a esperança da aparente desburocratização de procedimentos na busca pela regularização fundiária por meio do usucapião extrajudicial restou esvaziada em razão das exigências criadas pelo mesmo texto legislativo que trouxe à baila a referida inovação (Lei 13.105/15).
Isso porque, conforme se verificava das exigências para o requerimento de usucapião pela via extrajudicial (inciso II do art. 216-A da Lei 6.015/73 (com redação determinada pelo art. 1.071 do Código de Processo Civil)), o requerente deveria apresentar ao tabelião “planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes”.
Dessa forma, como requisito para a procedência do pedido, o requerente deveria demonstrar a anuência do proprietário do bem imóvel usucapiendo ao pleito de aquisição da propriedade pelo usucapião extrajudicial.
Sem dúvida, a exigência em questão além de desnaturar o instituto, tornou a via extrajudicial absolutamente inviável, eis que é comum em conflitos dessa natureza que o autor do pedido de usucapião ou desconheça quem seja o proprietário do bem imóvel usucapiendo, ou desconheça o paradeiro do mesmo.
Ademais, é óbvio que se o proprietário do bem imóvel usucapiendo anui com o pedido de usucapião, qual o empecilho existiria para que a transmissão da propriedade fosse realizada por outros meios ou instrumentos jurídicos mais ágeis como a doação ou mesmo um contrato de compra e venda. Assim, a exigência da concordância expressa do proprietário do bem imóvel para a realização do usucapião extrajudicial inviabilizou, na prática, a operacionalização do referido instituto nos cartórios de registro de imóveis, tornando inócua a previsão legal do mesmo.
Em complemento à descabida exigência da anuência do proprietário do bem para o usucapião extrajudicial, o disposto no §2º do art. 216-A da Lei 6.015/73 (incluído pelo Art. 1.071 do Código de Processo Civil) sepultava a viabilidade do referido instituto ao dispor que “Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância”.
Ou seja, o texto legal contrariava a sistemática jurídica vigente ex vi do disposto na Lei 11.977/09 - que trata do usucapião extrajudicial para fins de interesse social - eis que nesses casos, o silêncio – diferentemente do disposto no §2º do art. 216-A da Lei 6.015/73 - é entendido como concordância.
Diante desse panorama, agravado pela inexistência de regulamentação no âmbito dos Tribunais dos Estados quanto ao procedimento a ser adotado pelas serventias, a utilização do usucapião extrajudicial restou inviabilizada, afigurando-se como mais um instituto jurídico que, embora previsto em lei, não alcançava qualquer aplicação prática.
Contudo, a entrada em vigor da Lei 13.455/17, publicada em 11 de julho de 2017, trouxe a tona a discussão acerca do usucapião extrajudicial, eis que seus dispositivos corrigiram os equívocos cometidos pela legislação anterior, permitindo assim que o instituto em questão alcançasse o seu real objetivo, qual seja: celeridade e desburocratização no processo de aquisição derivada da propriedade.
A novel legislação modificou a redação do disposto no §2º do art. 216-A da Lei 6.015/73, passando o referido dispositivo legal a estar assim descrito: Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância.”
Como se verifica, pela atual redação do §2º do art. 216-A da Lei 6.015/73, o silêncio do titular de direito averbado na matrícula do imóvel, em absoluta observância à legislação e à sistemática jurídica do nosso ordenamento, passou a ser entendido como concordância tácita.
E vai além! Pelas alterações promovidas pela Lei 13.465/17 ao art. 216-A da Lei 6.015/73, caso o titular do direito registrado ou averbado à margem da matrícula do imóvel não seja localizado ou esteja em lugar incerto ou não sabido, será admitida a notificação por edital do mesmo, hipótese em que o silêncio do interessado também será admitido como concordância.
Nesse sentido é o disposto no §13º do art. 216-A da Lei 6.015/73: “Para efeito do § 2o deste artigo, caso não seja encontrado o notificando ou caso ele esteja em lugar incerto ou não sabido, tal fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretado o silêncio do notificando como concordância”.
Andou bem o legislador! Ao nosso sentir, na prática, as alterações promovidas permitem que mesmo no caso de silêncio do proprietário do imóvel, o procedimento perante o cartório de registro de imóveis segue o seu rito.
Ademais, é fato que em muitos casos, o titular do direito registrado ou averbado à margem do bem imóvel usucapiendo não é localizado, encontrando-se em lugar incerto ou não sabido, fato este que não mais obstará o prosseguimento do procedimento perante o cartório de registro de imóveis diante da possibilidade de notificação do mesmo por edital.
Em verdade as alterações promovidas pela Lei 13.465/17 no que pertine ao usucapião extrajudicial contemplam a preocupação já existente e verificável na tentativa de regulamentação da matéria em trâmite perante o Conselho Nacional de Justiça – antes mesmo da publicação da Lei 13.465/17 - que previa em sua minuta de provimento, alternativas à exigência de anuência do titular do direito averbado à margem da matrícula do imóvel como requisito para o usucapião extrajudicial.
Veja que antes mesmo da publicação da Lei 13.465/17, já havia na comunidade jurídica, preocupações quanto a efetividade do usucapião extrajudicial se mantida a exigência de anuência do proprietário do bem imóvel ou mesmo se entendida sua inércia como discordância. Essa preocupação se estendia, ainda, quanto à impossibilidade de notificação por edital do proprietário do imóvel, caso o mesmo fosse desconhecido ou estivesse em lugar incerto ou não sabido.
Assim, é inolvidável que Lei 13.465/17 corrigiu o equívoco existente na redação do disposto no art. 216-A e seguintes da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), permitindo que o instituto do usucapião extrajudicial seja eficaz e alcance finalidade de desburocratizar o processo de aquisição da propriedade pela via administrativa, resultando, com isso, em solução rápida, eficaz e segura de conflitos fundiários deste jaez sem a necessidade de provocação da tutela jurisdicional para tanto.
Por Douglas Luiz da Cruz Louzich
Advogado