Nunca, desde a redemocratização do País, vivemos um período em que as instituições que dão suporte ao sistema democrático vigente foram tão colocadas à prova. A exemplo de processo de fortalecimento/independência das instituições, podemos citar o ocorrido no último dia 24/01/2018 (quarta-feira), ante a condenação de um ex-presidente da república pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, localizado em Porto Alegre/RS. O Tribunal em questão é o competente para analisar, em grau de recurso, as decisões proferidas pela 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Paraná, titularizada, atualmente, pelo Juiz-Federal Sérgio Moro.
Na ocasião, a 8ª turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a condenação do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, ocasião em que, ainda, exasperaram a pena para o patamar de 12 anos e 1 mês de reclusão em regime inicialmente fechado.
A par da complexa discussão que envolve a análise/interpretação dos indícios que motivaram a condenação do ex-presidente, é fato que a decisão confirmada pelo TRF reacendeu a discussão acerca da possibilidade de cumprimento imediato da pena após a confirmação da decisão condenatória em grau de recurso, por um Tribunal de Segunda Instância.
Ao senso comum, pode parecer até intuitivo que, em caso de condenação mantida em segunda instância, o acusado tenha que ser recolhido ao cárcere para dar início ao cumprimento da pena. Porém, a questão do momento em que o acusado deve dar início ao cumprimento de pena é controvertida e divide a comunidade jurídica, mormente diante do atual posicionamento externado pelo Supremo Tribunal Federal quanto ao tema.
Em nosso sistema jurídico-penal vigora o princípio de índole constitucional denominado “presunção de inocência” ou como alguns preferem “estado de inocência ou não culpabilidade”, previsto expressamente no artigo 5º, inciso LVII da Constituição da República. Em síntese, o princípio em questão garante a qualquer acusado a prerrogativa de só ser considerado culpado após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou seja, quando esgotados os recursos cabíveis para impugnação da decisão.
A garantia em questão também está materializada no art. 283 do Código de Processo Penal, que, de forma expressa, estabelece que: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”
No caso concreto envolvendo a condenação do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, a interpretação literal dos dispositivos em questão, levaria à inegável conclusão de que, mesmo condenado em segunda instância, o referido acusado só poderia ser recolhido ao cárcere após o esgotamento das vias recursais disponíveis perante os Tribunais Superiores.
Contudo, a controvérsia reside exatamente aí, no alcance do princípio da presunção de inocência quanto ao marco inicial para o cumprimento da pena imposta em sentença penal condenatória confirmada em segunda instância.
Na visão da maioria dos Ministros da Suprema Corte brasileira – em apertada votação –, a condenação por crime de qualquer cidadão por um Tribunal em segunda instância permitiria o cumprimento imediato da decisão, independentemente do trânsito em julgado da mesma. Assim, a chamada execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória para a defesa não ofenderia o princípio da presunção de inocência, bem como o disposto no art. 283 do Código de Processo Penal.
Em outras palavras, o posicionamento atual do STF permite o cumprimento imediato da pena imposta ao ex-presidente Lula, antes de esgotadas as vias recursais aos Tribunais Superiores, já que a manutenção da sentença penal condenatória em segunda instância encerraria a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do acusado, de forma que, após esse momento o réu presumir-se-ia culpado.
Sustentam, para tanto, que os recursos cabíveis da decisão proferida pelos Tribunais em segunda instância ao STJ e ao STF não possuem efeito suspensivo – como regra – e não se destinam à discussão de fatos e provas, mas apenas matéria de direto (interpretação/aplicação de lei federal ou constituição), razão pela qual a formação da culpa já estaria perfectibilizada.
Aliás, ressaltam que, em países democráticos como os Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Alemanha, França, Espanha, Argentina e Portugal, o princípio da presunção de inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório seja executado e produza efeitos contra o condenado.
Até o ano de 2009, a jurisprudência do STF se mantinha no sentido de que o princípio da presunção de inocência não impediria o cumprimento provisório da pena. Assim, não é possível defender que a questão é nova nas discussões no Supremo Tribunal Federal. Mas é inegável que o retorno à esse posicionamento no ano de 2016, além dos aspectos jurídicos que envolvem a matéria, também guarda certa relação com o momento político-jurídico em que estávamos e ainda estamos inseridos.
De toda sorte, o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, embora não vinculante, vêm sendo adotado pelos Tribunais Pátrios, repercutindo em todos os acórdãos condenatórios proferidos em segunda instância, o que, certamente, abarcará a condenação proferida em detrimento do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, já que, o cenário jurídico-político imposto não indica qualquer possibilidade de modificação do entendimento esposado pela Suprema Corte por ocasião do HC nº 126292.
Artigo publicado pelo Advogado
Douglas Luiz da Cruz Louzich, sócio do escritório Ferreira, Marques e Louzich Advogados, especialista em Direito Agro-Ambiental e Penal Empresarial