A (I)legalidade das prisões baseadas em decretos que determinam o isolamento social
A (I)legalidade das prisões baseadas em decretos que determinam o isolamento social

Diante da pandemia ocasionada pelo Novo Coronavírus, transformou-se em rotina um verdadeiro bombardeio de informações fornecidas pelos meios de comunicação, com as mais diversificadas nuances, mas sempre retomando ao enfoque principal: a pandemia.

Dentre às medidas preventivas, está a necessidade de se evitar aglomerações, surgindo, em decorrência disso, a campanha com a hashtag “fique em casa”, onde, objetivando incentivar a permanência na residência, a população publica nas redes sociais as mais diversas atividades realizadas em seu isolamento.

As formas de prevenção/enfrentamento ao Coronavírus foram dispostas na Lei 13.979/20, editada pelo Governo Federal. Entretanto, trata-se de uma norma ampla, que não traz as especificidades de cada Estado e Município, cabendo a estes, por sua vez, adotar as medidas julgadas adequadas, desde que respeitados os direitos/garantias fundamentais e com observância nas recomendações da Organização Mundial da Saúde.

Dessa forma, surgiram muitos Decretos, que de maneira unânime, disciplinam sobre à necessidade da população permanecer em isolamento, determinando, inclusive, o fechamento de bares e boates, templos de cultos religiosos, academias, dentre outros.

Porém, assustadoramente, visualizou-se em algumas regiões do Brasil a realização de prisões em decorrência do descumprimento do Decreto que determina o isolamento, sendo utilizado como pano de fundo o artigo 267 do Código Penal, cujo teor menciona que “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, pena - detenção, de um mês a um ano, e multa”.

Analisando o dispositivo acima transcrito, realmente se tem um tipo penal, de modo que este autoriza a realização da prisão, desde que haja uma “infração de determinação de poder público”.

Todavia, não se pode esquecer que os Decretos - determinação do poder público – são redigidos de acordo com a Constituição Federal, e esta, por sua vez, traz como garantia fundamental a liberdade de locomoção (artigo 5°, inciso XV), não sendo adequada a aplicação do artigo 267 do Código Penal para situações ligadas à pandemia.

A interpretação distorcida do artigo 267 do Código Penal ganhou ainda mais força com o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de n° 672, de Relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, Ministro do Supremo Tribunal Federal, onde esclareceu que a competência para legislar sobre saúde é concorrente entre os governos Estaduais e Distrital, e dos Governos Municipais suplementar, como segue trecho abaixo transcrito:

(...) cada qual, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras (...)

Pelo que se extrai do teor da decisão acima, percebe-se que, apesar de atribuir certa “liberdade” aos entes federados para adoção de medidas de prevenção do contágio ao Novo Coronavírus, inexiste autorização para segregação da liberdade da população em decorrência da pandemia/descumprimento de ordem de isolamento.

Diante disso, surge a dúvida: poderia um Decreto que sugere o isolamento social se sobrepor ao direito fundamental de locomoção, descrito no artigo 5°, inciso XV da Constituição Federal? Considerando essa situação, ao meu sentir, a realização de prisão de pessoas que circulam nas ruas, baseada em Decreto que determina o isolamento, fere o direito fundamental de liberdade de locomoção, tornando-se ilegal.

 

Por Êmille Soares Berton - Advogada.

Ferreira & Louzich - Advogados Associados
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